Migalhas: O teletrabalho não foi suficiente para o enfrentamento da pandemia no mundo laboral, sendo que muitos empregadores se depararam com a queda abrupta, ou até mesmo, completa, da renda das suas empresas, gerando inúmeras demissões.
Passado quase um ano e meio do início da pandemia de Covid-19 no Brasil, é inegável o quanto as relações de trabalho foram significativamente afetadas.
A título de exemplo, citamos o fato de que, após decretada a quarentena pelos governantes no início da pandemia, em março de 2020, milhares de trabalhadores passaram a exercer o regime de teletrabalho ou home office, literalmente, de um dia para o outro, sendo necessária a adequação dos meios tecnológicos e a adaptação forçada e urgente de empregados e empregadores.
Contudo, o teletrabalho não foi suficiente para o enfrentamento da pandemia no mundo laboral, sendo que muitos empregadores se depararam com a queda abrupta, ou até mesmo, completa, da renda das suas empresas, impactando diretamente em suas folhas de pagamento, gerando, num primeiro momento de pânico, inúmeras demissões, e, até mesmo, encerramento de empresas, pedidos de recuperação judicial e de falência.
Após grande expectativa, ao final de março e início de abril de 2020, foram editadas medidas provisórias pela Presidência da República, destacando-se duas, objetivando a manutenção dos empregos e renda, quais sejam, a extinta MP 927 1 que tratou de temas como antecipação de férias, teletrabalho, diferimento do FGTS, e a MP 936 2, importantíssima, visto que tratou de redução de jornada e salário, e suspensão do contrato de trabalho, esta última convertendo-se na lei 14.020/2020 3.
Com o prolongamento da pandemia para o ano de 2021 e a consequente prorrogação das restrições pelos governantes, foram editadas novas medidas provisórias, trazendo textos similares aos moldes das medidas 927 e 936, sendo elas, MP 1046 4 (antiga MP 927) e MP 1045 5 (antiga MP 936).
Referidos regramentos foram absolutamente necessários e importantes, transmitindo certa segurança jurídica para empregados e empregadores, de modo que milhares de empresas se utilizaram das opções implantadas pelas MPs.
Obviamente, tais novas regulamentações abarcaram também novos conflitos e judicialização de questões controvertidas, como, por exemplo, as inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas no Supremo Tribunal Federal, sendo que dois julgamentos foram emblemáticos.
O primeiro 6 a respeito da obrigatoriedade de anuência dos Sindicatos nos contratos firmados com base nas MPs, em que foi decidido que não haveria tal necessidade, em razão da urgência do momento vivido, bastando, somente, a comunicação da entidade sindical em até 10 dias da realização do acordo.
O segundo 7, igualmente de grande debate, abordou o artigo 29, da extinta MP 927, que previa expressamente que a Covid-19 não poderia ser classificada como doença do trabalho, tendo o STF decidido pela suspensão de referido artigo. Como consequência, instaurou-se uma grande polêmica, na medida em que muitos compreenderam que em razão da referida decisão, a Covid-19 deveria ser reconhecida, de imediato, como doença ocupacional. Contudo, o julgamento não sedimentou a questão, sendo necessária a comprovação do nexo de causalidade para o reconhecimento da Covid-19 como doença ocupacional. Aliás, a questão vem sendo enfrentada em inúmeras ações movidas na Justiça do Trabalho, sendo que a jurisprudência diverge sobre o tema.
Outro ponto de grande debate gira em torno da obrigatoriedade da vacinação, e se a recusa por parte do empregado caracteriza falta grave, podendo ser aplicada a dispensa por justa causa pelo empregador. O tema foi objeto de reclamação trabalhista 8 movida por trabalhadora, em trâmite perante à 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, em que foi mantida a justa causa aplicada, sendo que a magistrada Isabela Parelli Haddad Flaitt, fundamentou sua decisão em precedentes do Supremo Tribunal Federal, em guia técnico do Ministério Público do Trabalho9 e no artigo 3º da lei 13.979/2020 10, que prevê a possibilidade de vacinação compulsória.
O home office e o teletrabalho também são objeto de embates judiciais, com significativas discussões neste período. Como exemplo, citamos a discussão sobre a responsabilidade quanto ao fornecimento de internet e ergonomia correta aos empregados que executam suas atividades fora das dependências do empregador. Diversos projetos de lei que pretendem regulamentar o tema permanecem no aguardo de votação no senado 11.
Recentemente, foi publicada a lei 14.151/2021 12, prevendo o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública, decorrente do novo coronavírus, sem prejuízo de remuneração. A lei, que é extremamente suscinta, determinou que as atividades das empregadas gestantes sejam realizadas em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância. Novamente houve grande alvoroço no meio jurídico, na medida em que citada lei não foi clara quanto às empregadas que exercem atividades exclusivamente presenciais e a consequente responsabilidade pela manutenção da remuneração. Ou seja, acrescentou mais um ônus aos empregadores, que já passam por momento extremamente frágil no âmbito financeiro, em razão da própria pandemia. Acrescente-se que o texto legal poderá abrir precedente preocupante para condutas discriminatórias durante o estado de emergência vivido.
Em razão de tantas novidades, certo é que as regulamentações trabalhistas advindas em razão da pandemia continuarão sendo objeto de grande judicialização por algum tempo.
Fato é que neste período pandêmico, a rotina de trabalho mudou para todos. Não temos mais as mesmas reuniões, audiências e sustentações orais ou, até mesmo, o mesmo trânsito para deslocamento ao trabalho. Tivemos que nos adaptar e talvez tenhamos aprendido boas práticas nesse caminho. Como exemplo, muitas empresas adotarão o sistema híbrido de trabalho (remoto e presencial), mesmo após o fim da pandemia 13, por entenderem que, conforme demonstrado em diversas pesquisas, no trabalho remoto as pessoas costumam ser mais produtivas.
Enfim, é indiscutível que a pandemia afetou profundamente as relações laborais, sendo certo que algumas mudanças e discussões jurídicas por ela realçadas permanecerão mesmo após o seu esperado fim.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 Disponível aqui.
5 Disponível aqui.
6 Disponível aqui.
7 Disponível aqui.
8 Trabalhadora negou vacina dispensada.
9 Disponível aqui.
10 Disponível aqui.
11 Disponível aqui.
12 Disponível aqui.
13 Disponível aqui.
Denise Pamplona Calleja de Carvalho e Fernanda Bruni Marx
https://www.migalhas.com.br/depeso/350238/impactos-da-pandemia-nas-relacoes-de-trabalho