Migalhas: Diante destas inovações constitucionais, espera-se que o CNJ edite o necessário para adequar a resolução 303, que dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário.
Nos últimos quatro meses do ano de 2021, tramitou no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 23/21, conhecida como “Pec dos Precatórios”, protocolada pelo Governo Federal.
Após alterações na proposta original e votações nas casas legislativas, foram promulgadas as Emendas Constitucionais 113 e 114, respectivamente em 8 e 16 de dezembro, trazendo significativas mudanças no regime de pagamentos de precatórios e normas relativas ao Novo Regime Fiscal.
Nesta análise trazemos as pontuais alterações do art. 100 da Constituição Federal, que dita o regime jurídico de pagamento dos precatórios judiciais.
Neste contexto, merece destaque o §5º1, que antecipou a data de corte para inclusão no orçamento de verba necessária para pagamento dos débitos constantes de precatórios judiciais para 02 de abril, mantendo o vencimento até o último dia do exercício seguinte.
Já o §9º, que na redação anterior2 previa a compensação obrigatória, direta e imediata de forma unilateral pelo ente Federativo e foi declarado Inconstitucional pela ADIn 4425, ao fundamento de que a sistemática de compensação ali prevista implica violação à coisa julgada, embaraço à efetividade da jurisdição, desrespeito contraditório e à ampla defesa, violação ao direito de liberdade do credor (Art. 5º, caput, CF), além de ultraje à isonomia entre o Estado e o cidadão, recebeu nova redação mais sensata e ampla.
O novo texto do §9º, inserido pela EC 113/213, traz a compensação não instantânea, aduzindo que o valor correspondente a eventuais débitos inscritos na dívida ativa contra o credor e seus substituídos serão depositados à conta do juízo responsável pela cobrança que decidirá o seu destino definitivo.
Significa dizer que a compensação será examinada de forma mais abrangente, ou seja, serão analisados pelo juízo da cobrança questões prejudiciais, tais como: decadência, prescrição, remissão, anistia, ou qualquer outro elemento que possa afetar o quantum debeatur ou a própria dívida como um todo.
O §11,4 por sua vez, teve a sua redação ampliada, conferindo ao credor a faculdade de realizar um encontro de contas com o Poder Público. Os novos incisos abriram um leque de possibilidades para que o credor originário ou cessionário possa oferecer créditos para utilização em diversas finalidades, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor. Nesta trilha, a nova redação permite que o credor tenha mais opções para usufruir do seu direito creditório.
Note-se, inclusive, que que o novo texto trazido pela Emenda Constitucional encerrou a discussão acerca da utilização dos créditos por credores não próprios ou cessionários, regularizando de forma expressa, a oferta de créditos adquiridos de terceiros. Isto porque esta aquisição é expressamente autorizada no mesmo art. 100, §13º e coloca o adquirente na condição de credor, sem distinção, devendo ficar claro seu amplo direito de utilização desses valores nas mesmas condições que os credores originais.
É importante frisar que para efetividade desde parágrafo se faz necessária a edição de lei do ente federativo que regulamente a oferta de créditos.
Neste jaez, observada a regulamentação por lei, o credor, seja originário ou derivado, pode, por exemplo, quitar débitos parcelados ou inscritos na dívida ativa ou comprar imóveis públicos do mesmo ente disponibilizados para venda, além de outras possibilidades descritas no demais incisos.
Quanto a cessão de precatórios, o §145 manteve a necessidade de comunicação ao Tribunal de origem e ao ente federativo devedor para que produza efeitos, apenas sofrendo pequena alteração para que seja observado o §9, ou seja, na aquisição de créditos deve se ter o cuidado de observar eventuais débitos do credor originário com o ente devedor.
Em linhas gerais, estes são os pontos que merecem atenção nas alterações do art. 100 trazidas pelas Emendas Constitucionais em comento. O Regime jurídico dos precatórios é tema bastante complexo e está sempre em voga no Governo e Casas Legislativas, sofrendo alterações no sistema de pagamento e normas que regulamentam a sua tramitação, de acordo com o ente devedor.
Por fim, diante destas inovações constitucionais, espera-se que o CNJ edite o necessário para adequar a resolução 303, que dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário, visando padronizar a tramitação em observância ao princípio também constitucional da eficiência.
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1 §5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 2 de abril, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
2 (EC 62/09) §9º. No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
3 (EC 113/21) § 9º. Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo.
4 §11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:
I – Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;
II – Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda
III – pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;
IV – Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou
V – Compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.
5 § 14. A cessão de precatórios, observado o disposto no § 9º deste artigo, somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao Tribunal de origem e ao ente federativo devedor.
Ana Rachel Mueller