Ricardo Magro e Gustavo O. de Sá e Benevides*
01 de outubro de 2020 | 14h20
É fato que, em razão de inúmeros fatores, e a greve dos caminhoneiros foi o mais claro deles, o governo brasileiro resolveu modernizar a Petrobras e o mercado de combustíveis. O passo mais recente foi a venda das refinarias, que está sendo alvo de uma verdadeira batalha jurídica, política e econômica. O processo se encontra inclusive suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal, aonde três, dos atuais onze ministros, já se posicionaram contra a venda dos ativos.
O debate no Supremo envolve o fato de que, por decisão da própria corte em 2019 na ADI 5624, as privatizações de companhias holdings só poderiam ser feitas com a aprovação do Congresso Nacional, enquanto que a venda do controle de subsidiárias seria livre.
Embora a Petrobrás não tenha se manifestado acerca dos pontos questionados no STF sobre a forma da venda, a estatal defende a venda sob o argumento de que traria um mercado mais aberto, competitivo e diverso, sendo benéfico para o desenvolvimento nacional.
Já explicamos em outro artigo porque esses argumentos não procedem, seja porque essas privatizações irão apenas criar monopólios regionais, seja porque o momento atual é o pior possível para a venda, dada a mínima histórica em que se encontra o crack spread.
Para além da venda das refinarias, é possível replicar uma decisão do governo americano da década de 1970 que alavancou a indústria petroleira local, causando um “boom” na economia americana.
Para que o leitor compreenda o nosso raciocínio, passemos a uma rápida contextualização. Em 1973, a OPEP(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) impôs um embargo à exportação de Petróleo para os EUA e outros países que eram pró-Israel durante o conflito Árabe-Israelense do mesmo ano. A OPEP também fez um corte drástico na produção de petróleo, provocando um significativo aumento no preço do barril.
Em resposta, o Congresso Americano aprovou o 1975 Energy Policy and Conservation Act, proibindo em geral a exportação de petróleo bruto (crude oil), excetuadas algumas hipóteses específicas (e.g., heavy California crude, crude from Alaska’s Cook Inlet, foreign crude), como forma de garantir o abastecimento interno do país.
Embora o intuito principal tenha sido o abastecimento, a restrição de exportação de petróleo bruto acabou provocando uma reviravolta no desenvolvimento industrial americano, que viu o seu parque de refino se modernizar em uma velocidade sem precedentes.
A razão é simples: embora o crude oil pudesse ser vendido apenas internamente, os derivados de petróleo podiam ser exportados sem qualquer tipo de limitação (i.e., gasolina, diesel, feedstocks, naphtha, aromáticos, etc.).
A indústria americana, antes focada na extração do crude, voltou-se para a criação e modernização de refinarias capazes de processar os milhões de barris de petróleo produzidos diariamente, tornando os EUA em um grande exportador de derivados, que obviamente possuem valor agregado e uma margem de lucro bem mais significativa.
Fato é que desde a imposição desta medida, as refinarias americanas bateram recordes sucessivos na exportação de gasolina e diesel:
O desenvolvimento industrial e tecnológico do parque de refino americano é diretamente ligado a esta medida vedação a exportação de petróleo bruto. Isto porque, não foste esta medida, dificilmente encontraríamos a mesma disposição no meio empresarial para investir de forma tão maciça na capacidade de refino. Em outras palavras: foi necessário um “choque” para que o parque industrial fosse modernizado.
E não poderia ser diferente, já que o incentivo financeiro e comercial para construir, expandir ou modernizar as refinarias apenas ocorreu com a baixa no preço do petróleo bruto interno provocado pela proibição de exportação.
Explicando para o leitor: a proibição da exportação diminuiu consideravelmente o número de potenciais compradores (i.e., mercados estrangeiros), forçando a baixa do preço petróleo para um patamar inferior ao preço internacional. É a clássica lei da oferta e da procura.
Com isto, criou-se uma arbitragem financeira e econômica para os grupos empresariais americanos ou estrangeiros que quisessem participar do mercado americano. Ao investirem na construção de novas refinarias, poderiam comprar o petróleo interno a um preço mais barato do que comprariam no mercado internacional, reduzindo seus custos para a produção de produtos refinados.
Por conseguinte, estes produtos poderiam ser exportados a um preço menor do que o praticado no mercado internacional ou, alternativamente, em concorrência de preços, porém garantindo uma lucratividade maior para as refinarias americanas – permitindo-lhes investir, ainda mais, na modernização do parque. Esta foi a arbitragem financeira e econômica gerada pela proibição de exportação do crude.
Embora alguns possam alegar que a redução no preço do crude foi feita de maneira artificial, já que causada pela proibição de exportação, não há dúvidas que foi um incentivo essencial para o desenvolvimento industrial dos EUA.
Foi essencialmente um planejamento de longo prazo. Ainda que houvesse algum efeito negativo pela redução do preço do crude (e.g., perda de receita momentânea), isto seria vastamente compensado pelo desenvolvimento industrial provocado e pelo forte aumento nas exportações de derivados – produtos significativamente mais valiosos que o petróleo bruto.
O Congresso Americano ponderou que, por ter passado mais de 40 anos com a regra da vedação a exportação de crude, a indústria americana era suficiente forte e desenvolvida para não se afetada pelo levante da regra – e realmente não o foi, já que o parque de refino americano é um dos mais avançados do mundo.
Trazendo a regra acima para a realidade brasileira e para a discussão acerca privatização das refinarias da Petrobrás, seria extremamente benéfico para o desenvolvimento interno se o Governo Federal adotasse uma vedação progressiva da exportação de petróleo, como forma de obrigar o incentivo na indústria nacional.
Caro leitor, não estamos propondo que haja uma vedação imediata a exportação – até porque isto seria uma catástrofe em termos econômicos, mas que seja criada uma quota máxima de exportação de crude, cujo limite seja regressivo no tempo, ou uma correlação entre o valor de investimento no país e o número de barris permitidos para a exportação.
Exemplificando: poderíamos criar uma quota de exportação (em percentual ou em números brutos) que fosse sendo diminuída no tempo – e.g., 70% da produção total no 1º ano, 60% no 2º ano, 40% no 3º ano etc. – ou que fosse proporcional ao valor de investimento feito no país – e.g., permitir que cada exportador venda X% do valor investido na modernização do parque de refino nacional.
Existem inúmeros meios de se adaptar o modelo americano para a nossa realidade. Tudo depende da formatação que os agentes governamentais decidam adotar.
A implementação de uma política de incentivo à exportação de derivados, pautada na restrição progressiva de exportação de petróleo bruto, seria um passo vigoroso em direção à modernização do parque industrial nacional –ousamos dizer que poderia ser alcançada no médio prazo (3 a 8 anos).
Ao invés de focarmos em privatizações de refinarias da Petrobrás, que apenas criará monopólios regionais, visto que nenhuma delas foi construída para competir com as outras, deveríamos nos concentrar em incentivar a criação de novos players no mercado – medida que efetivamente contribuiria para a o aumento da concorrência e para a abertura do mercado.
Se a exportação de derivados se tornar um projeto prioritário para o Governo Federal, não há dúvidas que haverá uma revolução nas regras atuais de mercado, cujos benefícios, diferentemente da exportação de petróleo bruto, serão partilhados por todos.
O Governo Federal vem adotando diversas pautas positivas para o país. Caso o modelo de desenvolvimento da indústria americana do petróleo seja adaptado a nossa realidade, o Brasil seguramente estará no caminho certo. É fato que o Brasil, anos atrás, enxergou uma oportunidade sem precedentes com o pré-sal. Imagine se essa oportunidade for, também, para o país deixar de ser somente um exportador da commodity para, enfim, vender um produto com mais valor agregado.