Ricardo Magro e Gustavo O. de Sá e Benevides*
25 de agosto de 2020 | 05h00

Ricardo Magro e Gustavo O. de Sá e Benevides. FOTOS: DIVULGAÇÃO

Sandbox ainda é um nome estranho para o ambiente de negócios no Brasil, mas essa modalidade de regulamentação pode ser um caminho para o país, enfim, conseguir viabilizar novas tecnologias e destravar investimentos no mundo pós-pandemia.

Parece natural hoje, mas mercados com tecnologia de ponta serão decisivos para nossa economia sobreviver no novo contexto mundial – e a crise do coronavírus só deixou isso mais claro. Mas, infelizmente, não é nenhuma novidade que o Brasil é conhecido pelo excesso burocrático e, muitas vezes, regras que engessam novos empreendimentos.

Imagine tentar um modelo de negócio novo e, para tanto, ter que esperar o Estado primeiro pensar num modelo de regulação para só depois então autorizar que a ideia saia do papel. É, obviamente, algo inconcebível atualmente. A velocidade de desenvolvimento tecnológico atual raramente coincide com a capacidade do Congresso Nacional, órgãos públicos e agências reguladoras de criarem as normas que regerão os modelos de negócio daí provenientes.

Em verdade, boa parcela dos projetos “disruptivos” (i.e., que rompem com o modelo tradicional de determinado negócio) entram em funcionamento muito antes de qualquer regulação vir a ser criada. O exemplo clássico é o Uber, que rompeu com o modelo tradicional criado para regular os táxis. Foi um fenômeno mundial: Estados se mobilizaram para se adequar ao Uber e não ao contrário.

Ocorre que em setores altamente regulados, como é o caso dos combustíveis, a inovação tecnológica frequentemente conflita com as normas em vigor, elaboradas frente a um modelo já em prática, mas que raramente preveem formas futuras de prestação de serviço.

Mas foi justamente nesse setor que surgiu uma modelagem que é praticada no mundo todo, mas ainda inédita no Brasil: o sandbox. Esse modelo visa resolver exatamente essa situação, permitindo que tecnologias inovadoras recebam licenças temporárias, para que as empresas testem a solução no mercado antes de obterem uma permissão definitiva.

Na prática, esse modelo testa um projeto piloto, em condições seguras e altamente monitoradas, de modo que dali possam sair lições e o modelo ideal a ser aplicado na realidade do empreendimento. É a lógica inversa: é o governo que vê, a partir do dia a dia, como regular, em vez da secular imposição de regras para então os negócios se adequarem.

O sandbox também permite que os reguladores vejam como o serviço é aplicado e elaborem as normas da forma mais condizente com os resultados vistos na prática. Este modelo é amplamente adotado nos países vanguardista sem tecnologia, como os EUA, Reino Unido e Cingapura.

No Brasil, o leading case do modelo de sandbox regulatório é da Agência Nacional do Petróleo (ANP), para o mercado de delivery de combustíveis. O projeto piloto, em três regiões do Rio, foi autorizado ao aplicativo GOfit. A atividade não é novidade do ponto de vista tecnológico no mundo, existindo serviços similares nos EUA, Canadá e Reino Unido, mas, em sob o aspecto regulatório, é inédita no Brasil.

O projeto piloto da ANP tem como objetivo destravar o ambiente de negócio, ao tempo em que também observa, na prática, qual seria o melhor formato para regulamentar essa nova tecnologia. Não por acaso, a ANP exige uma série de dados técnicos mensais para subsidiar as decisões futuras sobre como será, enfim, a regulamentação do mercado de delivery de combustíveis no país.

De acordo com o projeto firmado pela ANP em maio deste ano, a ideia é, primeiro, criar um teste em “caráter excepcional”, “diante de tal singularidade” do novo negócio de aplicativos de celular para a entrega de combustíveis. Do ponto de vista regulatório, é um caso tão inovador que, nas palavras da própria ANP, abre-se a possibilidade de “derrogação pontual das normas proibitivas”.

Se todos dizem que o mundo será outro no pós-pandemia, é fato que o ambiente empresarial também. O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, sem precedentes até para os padrões dos últimos anos. Para se reerguer, precisará inegavelmente de investimentos da iniciativa privada e, consequentemente, de negócios que envolvam novas tecnologias. O modelo sandbox para o delivery de combustíveis ainda é um projeto piloto, que funciona em algumas regiões do Rio de Janeiro. Mas é, sem dúvidas, um exemplo de como a Agência Nacional do Petróleo(ANP) agiu e que pode ser replicado em outras áreas do Estado brasileiro.

É fato que o governo tentará a todo custo captar novos investimentos neste ano e sobretudo em 2021. A resposta pode estar no sandbox. O próximo ano poderá, portanto, dar um novo papel às agências reguladoras. Um caminho para destravar novos negócios é testar projetos pilotos, nesse modelo do sandbox. É seguro, tanto do ponto de vista regulatório, quanto para o ambiente de negócios, que não terá de esperar anos até uma regulamentação para serviços envolvendo novas tecnologias.

*Ricardo Magro é advogado, empresário e representante do grupo controlador da empresa detecnologia GOfit; Gustavo O. de Sá e Benevides é advogado
Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-leading-case-do-sandbox-regulatorio-da-anp-e-como-isso-pode-alavancar-novos-negocios-no-pos-pandemia/